A cozedura decorre no tempo previamente estipulado e
vai em bom ritmo. O recheio da panela está adormecido... a confiar nos
cozinheiros, o prato especial está para ser servido em breve. O sabor começa a
generalizar-se... O tacho está a ficar uma delícia! Os comedores começam a
esfregar as mãos de contentes!
Os clientes do costume são informados que podem iir
começando a entrar, ir ocupando os seus lugares... os do costume. Ainda estão
quentes desde da última vez!...
Os aperitivos começam a ser servidos aos convidados: un petit Filé mignon
de contratado com molho a condizer. Parece que estão a gostar!
É dado à escolha um vinho das caves da precariedade, devidamente
envelhecido, divina bebida das melhores castas, fruto do trabalho escravo dos
da panela. Os convidados de honra serão os primeiros a provar!
O cozinheiro principal, le grand chef, faz a
prova de controlo para ver da necessidade de apurar mais o cozinhado. Surpresa
das surpresas, a carne de contratado ao fim de horas de cozedura está dura como
raio! É preciso metê-los na panela de pressão!!! já!!! - grito que se ouve no
salão du restaurant des sindicalistes. La preocupation aumenta no seio da
comandita de convidados VHIP (Very Hipocrisie).
Entretanto vai chegando o patrono do jantar de gala com as suas
damas de companhia aperaltadas pelas mais caras jóias do reino do faz-de-conta.
Les sindicalistes de imediato lhes fazem a vénia complacente conforme o
protocolo do costume. A festança está prestes a começar!
Agora os convidados e os patronos vão trocando recuerdos em textos
dourados com títulos como "A tramança do contratado", ou
"Cozidos e grelhados: os sabores da precariedade", ou o mais dourado
de todos, num formato simplista "As sobras são para deitar fora e os
escravos são para ir junto!".
Soa o sino de última chamada dos convivas para o salão real. Conversa-se sobre
a sorte dos cozinhados, com lamentos de lágrimas secas, evocando todos os
sacrifícios dos enquadrados em concursos passados, para não se exagerar, sem
descambar numa choradeira pelos miseráveis que estão prestes a ser comidos num
banquete... realmente sindical!
Sentam-se e vão pondo os babetes não vá
sujarem-se de carne dura de contratado e das escorrências do sangue que lhes
correu pelas veias durante os anos da precariedade. Acotovelam-se os
enquadrados espreitando às janelas do Palácio das Laranjeiras para para verem
de perto a comezaina real. Quão abutres famintos, os comensais esperam
ansiosamente que a criadagem lhes sirva as partes mais desejadas das carcaças,
salivando de desejo pela miséria alheia!
Os serviçais entram no salão nobre empunhando acima das suas
cabeças as taças de prata a abarrotar com os mui almejados despojos humanos,
abominavelmente comestíveis por dentes afiados dos cães raivosos.que já espumam
numa habitual voracidade incontestavelmente atroz.
Começa a comezaina! Vêem-se ossos ensanguentados dos contratados,
dos cozinhados, desossados, liquidados, por um viciado jogo de dados, os
malfadados, pela sorte quilhados, serem arremessados para trás das costas dos
hipócritas sindicais e mais outros que tais.
No topo da mesa a comitiva real
palita os dentes pelo prazer alcançado ao ver a porca burguesia sindical
satisfeita com tamanho sacrifício dos aflitos da vida. O rei barbudo grunhe
entre-dentes para as damas de companhia: demos-lhes o que eles queriam!