Universo Paralelo
Ana Paula Silva
O significado da escola… quando o pior são as férias.
Há alguns dias, depois de uma aula, falei com uma aluna para a incentivar a ler: “Ana (nome fictício) tu pensas muito bem, és perspicaz e inteligente, só precisas de saber verbalizar tudo isso de uma forma clara e coerente. Acho que te ajudava muito ler bons livros. Aproveita as férias e investe nessa tarefa e vais ver que melhoras o teu aproveitamento.”
Ana olha para mim, com um olhar muito triste e diz-me: “Oh professora, o pior da minha vida são as férias! E acho que as deste ano vãos ser as piores de sempre…”
Confesso que atualmente pouca coisa que tenha a ver com a escola me choca. Em 30 Anos de carreira conheci reformas, reformas de reformas, alunos complicados, colegas complicados, ministros complicados… já conheci de tudo. Mas aquela declaração, sobretudo o tom triste que Ana usou, chocou-me imenso. “Mas se há aluna que merece férias és tu! És trabalhadora, nunca faltaste a uma aula, és a primeira a chegar e esforçaste imenso”, disse à Ana e arrependi-me imediatamente, ao ver que o que dizia agravava o ar triste com me olhava.
Antes de dizer mais alguma coisa pensei: “Até que ponto posso tecer considerações se não vivo a sua realidade?”. Sei que a sua situação familiar é muito difícil. Embora tenha um pai atento e amigo que se desdobra para que o mínimo suporte financeiro esteja assegurado, problemas de álcool e droga na família nuclear, ensombram e tornam insuportável a vida desta rapariga. Muito calada, por vezes, no fim da aula, desabafa comigo e eu tento transmitir-lhe alguma esperança. Nesta intenção, sinto-me sempre um pouco vendedora de ilusões. Digo-lhe que é apostando na formação (Ana frequenta um curso profissional) que pode aspirar a um emprego, e que este pode ser o seu passaporte para a autonomia e a construção de uma vida melhor estruturada. Mas, no fundo, penso que a vida já a enganou tanto e pergunto-me se não estarei a continuar esta traição?
Mas não há alternativa e todas as vezes que pressenti uma vontade desiludida em fugir de tudo, consegui alimentar os seu sonho e ela permaneceu. Espero que até ao fim do curso. Porque, nesse dia, percebi que quando sinto que quer abandonar, não é a escola é o empenho, a dedicação com que vem para a escola, onde se sente bem, onde sente em casa. Ela quer fugir de um sentimento que não lhe parece natural. Porque acha que para os colegas a escola é só… a escola.
“Não, Ana eles não estão errados, a escola não é a família. Mas, tu também não, porque a escola deve ser, naturalmente, um lugar de afeto. Não pode substituir o que te falta, mas devia-te dar muito mais em termos de afetividade e apoio, agradecendo-te o significado que conferes.”
Hoje escrevo esta memória porque acabei de ler uma entrevista do Sr. Ministro da Educação à revista “Veja” do Brasil, onde faz a apologia da escola como simples templo do saber. Distante, sem sentimentos implicados, onde a relação de aprendizagem é apenas o binómio ensinar-aprender. Onde o professor se carateriza por ser conhecedor, profissional, impessoal, funcionário. E estes trinta anos têm-me ensinado que há um oceano de emoções e experiências entre uma coisa e outra. E é este oceano que todos os dias prova a importância de um professor implicado afetivamente (muito mais que ensinante…)