quarta-feira, 15 de maio de 2013

O meu futuro está hipotecado, mas só se eu quiser! Jamais me calarão!!!

Entro de manhãzinha na escola onde leciono num horário de substituição de uma colega do quadro grávida, a quem agradeço ter engravidado e quase me apetecia ser padrinho da criança que em boa hora venha ao mundo para ser tudo menos professor!

E quando passo os portões de entrada, sinto-me como um peixe dentro de água, no meu território, quase na terra prometida, enfim, no céu o que quer que isso seja. Este bem estar vem de dentro, vem lá do fundo do coração, vem de qualquer coisa que me ficou da infância quando entrava com o mesmo gosto na escola para aprender as primeiras letras e as contas.
Mas ao fim de um certo tempo depois de entrar na escola caio em mim, e começo a sentir-me um dos elos mais fracos daquele edifício do conhecimento. Começo a lembrar-me das contas que estão por pagar, dos filhos que tenho para sustentar, das consultas que tenho adiado no médico da especialidade. Começo a pensar no tempo que falta para voltar ao serviço a colega que estou a substituir. E tudo isto enquanto estou na sala de professores à espera que dê o toque de entrada. Depois, deixo de pensar, e os afazeres mal me deixam pensar nestas coisas da vida, e ainda bem!

Ao fim do dia, mais 55 Km de estrada até à minha terra, onde vou à porta de mais duas escolas buscar as minhas crianças. O mais velho às vezes, depois de algum tempo em silêncio lá me pergunta recorrentemente: Ó pai, quando é que te efetivas? E eu lá dou a resposta do costume: um dia destes, filho, um dia destes, quando as coisas estiverem melhor! Mas nunca lhe digo: as coisas já estiveram boas e os gajos nunca me quiseram efetivar, pois tinham que alimentar a pança à custa dos desgraçados dos professores contratados! E também nunca lhe disse que era daqueles milhares de professores contratados que já tinha sido moeda de troca para muitas conquistas dos professores do quadro, que alguns deles nem sequer tiveram a culpa das ações dos seus dirigentes sindicais. E nunca ousei sequer dizer-lhe que o pai já andava nesta vida há vinte anos. Mas ele já deve ter feito as contas!...

E também nunca lhe contei que o pai era uma espécie de professor de segunda classe, tive vergonha,… e medo que o meu filho me passasse a estimar menos do que eu queria.
Depois, não convém traumatizar as crianças com coisas que lhes podem trazer baixa autoestima. É sempre bom esticar no tempo aquela imagem do pai forte, respeitado por todos, inclusive por aqueles que lhe dão emprego e que o efetivam como a lei o determina.

Ele para já ainda não perguntou, mas estou sempre à espera que a qualquer momento dispare a pergunta mais temida em formato afirmativo: pai, e se eles te reformarem sem nunca te efetivarem?

Mas, mais receio me provoca a afirmação que eu nego por necessidade de nunca vir a acontecer:
- paizinho, será que vais ficar desempregado para sempre no ano que vem?

O puto é esperto!!!

Mas, nem que tenha de ir para os Açores, ou emigrar para Inglaterra, não se há-de confirmar o que o miúdo já deve ter pensado, mas nunca o disse:
- Papá, vamos voltar a não ter dinheiro para irmos ver os avós.

 Bolas, já aconteceu uma vez e prometi que a coisa nunca mais se repetiria!

Chegamos a casa, e lá tenho de fazer o jantar para todos enquanto a mãe, também professora contratada não chega a casa. (12 horas anuais, a 30 Km de casa!). Os miúdos brincam um com o outro, enquanto trato do jantar e ao mesmo tempo vejo as péssimas notícias na tv.
“Boa noite. A última avaliação da Troika… OCDE diz que há professores a mais em Portugal… A Fenprof vai convocar uma manif…. O desemprego aumentou para… A recessão … o aumento do horário dos professores vai trazer mais desemprego, considera o dirigente da … blá, blá, blá …

Chega entretanto ela, cansada do dia, dos alunos, a barafustar com a Coordenadora de departamento e com a escola que lhe deram mais horas de apoio aos alunos sem lhe alterarem a componente letiva o que poderia dar para trazer mais uns trocos para casa e para fazer mais uns diazitos de serviço. E corre para o armário dos antidepressivos. Os miúdos pensam que aquilo é para as dores de cabeça da mãe…
Ela sente a precariedade à maneira dela, e eu sinto à minha. Ela com remédios, eu com um pensamento persistente de que um dia a justiça há-de vingar. Não sei bem qual de nós tem razão! Ela tem andado abatida, tentei animá-la com o concurso extraordinário, mas fui um extraordinário estúpido por lhe ter alimentado esperanças. Acho que quis que ela melhorasse com esse remédio de 603 mg de vagas!

Saí-me mal, ela ficou pior quando viu que ao fim de vinte anos de esperança, não ficou colocada pela enésima vez!

Se a redução de horários se concretizar o que vai ser de nós?!
Já ando a ver se há hipótese de emigrar, mas é a última coisa que quero fazer. Era a garantia de uma vida melhor, mas os meus pais, com a idade que têm, o mais certo era que quando voltasse a viver em Portugal, já não os tivesse, e isso custaria-me muito. Se quero emigrar? 
Não, não quero! então o que fazer?

Lutar, lutar persistentemente, unir-me aos que estão na minha situação, e lutar, sem parar, em várias frentes, na Justiça, com manifestações, através de contactos com várias entidades, pressionando sindicatos a colocarem a causa dos contratados num lugar de destaque e não numa perspetiva de faz-de-conta como até agora, abandonar a filiação sindical e associar-me na ANVPC – Associação Nacional de Professores Contratados, que sei representar exclusivamente os professores precários deste país.

 Que mais posso fazer?
 Pois posso colaborar com ideias de luta junto desta nossa associação, contribuindo para fazer vingar a causa por uma vida melhor, pelo fim  da precariedade de longa duração minha e de todos os colegas contratados que estão nesta condição há anos e anos no nosso país. Portugal é o meu país, quero ficar na minha terra, não quero emigrar.

 Contem comigo para lutar pelos meus filhos e por todos aqueles que sofrem como eu a desgraça da precariedade forçada por governantes sem escrúpulos.

Não me calarei enquanto me estiverem a fazer isto!