E quando
passo os portões de entrada, sinto-me como um peixe dentro de água, no meu território,
quase na terra prometida, enfim, no céu o que quer que isso seja. Este bem
estar vem de dentro, vem lá do fundo do coração, vem de qualquer coisa que me
ficou da infância quando entrava com o mesmo gosto na escola para aprender as
primeiras letras e as contas.
Mas ao fim de
um certo tempo depois de entrar na escola caio em mim, e começo a sentir-me um
dos elos mais fracos daquele edifício do conhecimento. Começo a lembrar-me das
contas que estão por pagar, dos filhos que tenho para sustentar, das consultas
que tenho adiado no médico da especialidade. Começo a pensar no tempo que falta
para voltar ao serviço a colega que estou a substituir. E tudo isto enquanto
estou na sala de professores à espera que dê o toque de entrada. Depois, deixo
de pensar, e os afazeres mal me deixam pensar nestas coisas da vida, e ainda
bem!
Ao fim do
dia, mais 55 Km de estrada até à minha terra, onde vou à porta de mais duas
escolas buscar as minhas crianças. O mais velho às vezes, depois de algum tempo
em silêncio lá me pergunta recorrentemente: Ó pai, quando é que te efetivas? E
eu lá dou a resposta do costume: um dia destes, filho, um dia destes, quando as
coisas estiverem melhor! Mas nunca lhe digo: as coisas já estiveram boas e os
gajos nunca me quiseram efetivar, pois tinham que alimentar
a pança à custa dos desgraçados dos professores contratados! E também nunca lhe
disse que era daqueles milhares de professores contratados que já tinha sido
moeda de troca para muitas conquistas dos professores do quadro, que alguns deles nem sequer tiveram a culpa das ações dos seus dirigentes sindicais. E nunca ousei
sequer dizer-lhe que o pai já andava nesta vida há vinte anos. Mas ele já deve
ter feito as contas!...
E também
nunca lhe contei que o pai era uma espécie de professor de segunda classe, tive
vergonha,… e medo que o meu filho me passasse a estimar menos do que eu queria.
Depois, não
convém traumatizar as crianças com coisas que lhes podem trazer baixa autoestima.
É sempre bom esticar no tempo aquela imagem do pai forte, respeitado por todos,
inclusive por aqueles que lhe dão emprego e que o efetivam como a lei o determina.
Ele para já ainda não perguntou, mas estou sempre à espera que a qualquer momento dispare a pergunta mais temida em formato afirmativo: pai, e se eles te reformarem sem nunca te efetivarem?
Ele para já ainda não perguntou, mas estou sempre à espera que a qualquer momento dispare a pergunta mais temida em formato afirmativo: pai, e se eles te reformarem sem nunca te efetivarem?
Mas, mais receio
me provoca a afirmação que eu nego por necessidade de nunca vir a acontecer:
- paizinho, será que vais ficar desempregado para sempre no ano que vem?
- paizinho, será que vais ficar desempregado para sempre no ano que vem?
O puto é esperto!!!
Mas, nem que
tenha de ir para os Açores, ou emigrar para Inglaterra, não se há-de confirmar o
que o miúdo já deve ter pensado, mas nunca o disse:
- Papá, vamos voltar a não ter dinheiro
para irmos ver os avós.
Bolas, já aconteceu uma vez e prometi que a
coisa nunca mais se repetiria!
Chegamos a
casa, e lá tenho de fazer o jantar para todos enquanto a mãe, também professora
contratada não chega a casa. (12 horas anuais, a 30 Km de casa!). Os miúdos brincam
um com o outro, enquanto trato do jantar e ao mesmo tempo vejo as péssimas
notícias na tv.
“Boa noite. A
última avaliação da Troika… OCDE diz que há professores a mais em Portugal… A
Fenprof vai convocar uma manif…. O desemprego aumentou para… A recessão … o
aumento do horário dos professores vai trazer mais desemprego, considera o
dirigente da … blá, blá, blá …
Chega
entretanto ela, cansada do dia, dos alunos, a barafustar com a Coordenadora de
departamento e com a escola que lhe deram mais horas de apoio aos alunos sem
lhe alterarem a componente letiva o que poderia dar para trazer mais uns trocos
para casa e para fazer mais uns diazitos de serviço. E corre para o armário dos
antidepressivos. Os miúdos pensam que aquilo é para as dores de cabeça da mãe…
Ela sente a
precariedade à maneira dela, e eu sinto à minha. Ela com remédios, eu com um
pensamento persistente de que um dia a justiça há-de vingar. Não sei bem qual
de nós tem razão! Ela tem andado abatida, tentei animá-la com o concurso
extraordinário, mas fui um extraordinário estúpido por lhe ter alimentado esperanças.
Acho que quis que ela melhorasse com esse remédio de 603 mg de vagas!
Saí-me mal,
ela ficou pior quando viu que ao fim de vinte anos de esperança, não ficou
colocada pela enésima vez!
Se a redução
de horários se concretizar o que vai ser de nós?!
Já ando a ver
se há hipótese de emigrar, mas é a última coisa que quero fazer. Era a garantia
de uma vida melhor, mas os meus pais, com a idade que têm, o mais certo era que
quando voltasse a viver em Portugal, já não os tivesse, e isso custaria-me
muito. Se quero emigrar?
Não, não quero! então o que fazer?
Lutar, lutar
persistentemente, unir-me aos que estão na minha situação, e lutar, sem parar,
em várias frentes, na Justiça, com manifestações, através de contactos com
várias entidades, pressionando sindicatos a colocarem a causa dos contratados
num lugar de destaque e não numa perspetiva de faz-de-conta como até agora,
abandonar a filiação sindical e associar-me na ANVPC – Associação Nacional de
Professores Contratados, que sei representar exclusivamente os professores
precários deste país.
Que mais posso fazer?
Pois posso colaborar com ideias de
luta junto desta nossa associação, contribuindo para fazer vingar a causa por
uma vida melhor, pelo fim da
precariedade de longa duração minha e de todos os colegas contratados que estão
nesta condição há anos e anos no nosso país. Portugal é o meu país, quero ficar
na minha terra, não quero emigrar.
Contem comigo para lutar pelos meus filhos e
por todos aqueles que sofrem como eu a desgraça da precariedade forçada por
governantes sem escrúpulos.
Não me
calarei enquanto me estiverem a fazer isto!