sábado, 7 de setembro de 2013

Perante isto, o que fazer? Sei, mas ainda não digo!

OS “COISOS” CONTRATADOS
(Desabafos de um ingénuo aspirante a professor)

Há 16 anos que sou um professor contratado... Peço perdão por ter usado o termo "PROFESSOR". Isso não posso ser. Certamente não o serei. Serei um solidário contratado, um participante de união da classe docente contratado, um "pato" contratado, um totó contratado, enfim, uma qualquer "coisa" contratada, que não um "PROFESSOR". Se fosse “PROFESSOR”, era tratado mal, como têm sido os professores, e eram-me, de quando em quando, repostas algumas injustiças como o têm sido aos professores. A mim e a milhares de "coisos" contratados deste país tiraram tudo. Estar aqui a enumerar o que tiraram parece-me ridículo. Lembrar-me enoja-me. Hoje não vou por aí. Estou cansado, com vontade de desistir. Sejam Nunos, Lurdes ou sei lá quem, estão longe. São estratosféricos e todos da mesma cor: castanha, cor da terra que lentamente nos decompõe depois de mortos. Portanto, hoje não é para eles. Hoje é para aqueles que me chamam "colega", coisa na qual confesso ainda ter tido a ingenuidade de acreditar durante uns anos. Entendem? Os “PROFESSORES” mesmo. Pronto, está bem, eu digo: os do “quadro”.
Há uns anos, quando era ministra da educação a Sra. Maria de Lurdes Rodrigues, a classe docente entrou em polvorosa (e muito bem, na minha opinião), devido à questão da avaliação docente. Megamanifestação em Lisboa, muita luta, muita união... Alguns, com a t-shirt de 60 euros do "Che" vestida, cantavam com todas as suas forças a "Grândola vila morena" do... “José Cid”. Há coisas que nunca mudam…
Nessa altura, estava colocado numa escola do centro do Porto. Éramos obrigados a entregar os famigerados objetivos individuais. Corria o boato que quem não o fizesse, teria penalizações gravosas. Os casos “Charrua” sucediam-se. Então, pensando nos meus encargos mensais, na situação laboral ainda mais precária da minha mulher, nas duas filhas pequenas (uma delas recém-nascida), apoderou-se de mim um sentimento que me era proibido: medo. Entre cerca de 200 professores, fui o primeiro a assumir que entregaria os objetivos individuais. Uma colega, do alto dos seus 30 anos de serviço, interpelou-me. “Então colega, onde está essa solidariedade?” Esta colega, na dita megamanifestação, numa das primeiras filas, empunhava um cartaz com os ditos “Em defesa da escola pública”. Essa colega tinha dois filhos a estudar no ensino privado… Obviamente, disse-lhe: “Por favor, passe-me um cheque com o valor dos meus salários até ao final do ano letivo, para o caso do sofrer a dita penalização, e, com todo o prazer, não entregarei os objetivos individuais.” Claro que também lhe perguntei por onde tinha andado a sua solidariedade face aos problemas gravíssimos que já atingiam os “coisos” contratados há muitos anos.
A partir desse dia, muita coisa mudou na minha forma de ver esta classe.
Saltemos uns anos. 2013. Greve às avaliações. Greve em que a participação dos contratados era fundamental para a consecução dos objetivos da mesma. Os motivos para a convocação desta greve eram inúmeros e mais do que justificados. Participei.
No dia em que os sindicatos (recuso-me a dizer “nossos”) cantam vitória, entro na sala dos professores da minha escola e o regozijo é generalizado. Leio o memorando de entendimento e não vejo uma única medida específica para os “coisos” contratados. Vários colegas me confrontaram com uma série de medidas que fariam com que os contratados também fossem beneficiados. Reafirmei que não existia uma única medida destinada especificamente aos contratados. Subitamente, lembrei-me: no pré-greve os professores do quadro poderiam ver-se na contingência de ser colocados até 200 quilómetros de casa. Com a greve, conseguiu-se reduzir essa distância para 60 quilómetros. No pré-greve um “QZP” era obrigado a concorrer a 2 QZPs. Com a greve, essa obrigatoriedade passou para um QZP mais um agrupamento de outro QZP. No pré-greve, um “coiso” contratado era obrigado a concorrer a dois “QZP. Com a greve… nada mudou. Interpelei um senhor que estava presente na sala, expondo-lhe esta gritante injustiça. O senhor era “PROFESSOR DO QUADRO”. Respondeu-me: “Olhe colega, para vocês até é bom. Assim têm mais oportunidades de emprego…”. Não sou rancoroso. Por isso, espero que, se um dia, o senhor e a sua família tiverem a infelicidade de o ver entrar num qualquer quadro de mobilidade, não o obriguem a concorrer até ao Paquistão para assim lhe… aumentar as perspetivas de emprego.
Em suma, estes são apenas dois exemplos ilustrativos da total falta de conhecimento que a maioria dos professores tem dos problemas que afetam “coisos” contratados deste país. De certa forma, até compreendo esse desconhecimento. O que não posso aceitar é que apenas se reivindique união, solidariedade e companheirismo quando os problemas são no meu umbigo.
Então o que fazer? Tendo apenas por base um pormenor, das dezenas de problemas que poderia enumerar, pergunto aos sindicatos que negociaram o “fantástico” acordo o seguinte: porque não se negociou a obrigatoriedade de concorrerem os contratados a dois “QZPs”? Seria um pormenor assim tão duro de alcançar quando se conseguiu reduzir a área geográfica para todos os outros?
Para terminar, e enquanto “coiso” contratado” de Biologia, quero apenas dar uma notícia de cariz científico. O ser humano é heterotrófico. Precisa de se alimentar todos os dias para sobreviver. Há alguns anos, sem que os “PROFESSORES” ou sindicatos se tivessem apercebido, os “contratados” sofreram uma mutação. Passaram a ter a capacidade de ser autotróficos numa parte do ano. Passo a explicar: um PROFESSOR e mesmo alguns “coisos” contratados recebem 14 meses por ano (ou por aí…). Um “contratado”, terminadas as avaliações, está no desemprego. Durante os meses de julho e agosto não tem despesas. Isso é para seres inferiores. Entra em fotossíntese e não precisa de comer. Estão a ver? Nem tudo é mau…
O tamanho da ironia deste último parágrafo é diretamente proporcional à tristeza, desprezo, falta de esperança e total falta de respeito pelos professores contratados deste país.
E nós estamos a deixar…

P.S. As generalizações são sempre abusivas e perigosas. Quero pedir desculpa a muitos colegas professores dos quadros, alguns, queridos amigos, para quem este texto é injusto. Sei bem que nas nossas escolas, há pessoas coerentes, capazes de lutar por causas e não apenas pelos seus interesses. A esses, as minhas desculpas. Aos outros, não!!!

R. F.

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